Março e Setembro: os meses dos meus encantos
Há meses que nos marcam. Eu tenho dois que, curiosamente, se uniram para me darem vida: março e setembro. Deram-me vida em vários andamentos. Porém todos eles em allegro. No primeiro andamento, março chegava com a promessa de primavera e, lá para a frente, uma fuga vertiginosa, a que os antigos deram o nome de feira. (Sempre pensei que o nosso rei que criou as feiras teve a melhor ideia de todos os tempos... Chegava feira de março à cidade, invariavelmente, no dia 25 e lá permaneceria até ao dia 8 de abril, mais coisa menos coisa... Que alegria! Quase sempre coincidia com as férias da Páscoa e as meninas poderiam sair, à tarde, sozinhas. À noite, mais ou menos vigiadas pelos olhares de adultos. Os carrocéis! O circo! Os carrinhos! Ai os carrinhos!... (Foi aí que mostrei pela primeira vez a alguém(que iria ser a minha Vida) que com as meninas não se brinca...) O circo fazia-me viajar ao mundo imaginário com os palhaços que falavam um linguajar esquisito (quase nunca entendido) e que eram capazes de deitar fogo ou água pelo nariz ou pelo peito. Porém, não compreendia a razão pela qual era quase sempre o palhaço rico que tocava os instrumentos mais bonitos enquanto o palhaço pobre tocava instrumentos menos vistosos e dos quais quase não se percebia a beleza dos sons. (Mais tarde percebi. Foi lá para os finais dos anos 60... Ah! Já me lembro. Foi depois do mês de Maio de 1969. Isto é que é ter memória. Agora há muito boa gente que não se lembra de nada).
E os chimpanzés que andavam de bicicleta e comiam batatas fritas? E os cavalos que dançavam com tanta elegância? Mais tarde, iria recordar os cavalos dos circos Luftman numa belíssima apresentação de "los cavallos andaluzes" a que assisti em Cádiz... Não! Não esqueci os pachorrentos elefantes que, desajeitadamente, mudavam a posição das valentes patas numa presunção de bailado... Também gostava dos trapezistas... Muitas vezes fechava os olhos para não ver uma eventual queda. Não gostava mesmo nada era do número dos pratos chineses porque se partiam muitos e, por certo, seriam caros... Finalmente, coroando o encantamento do circo, chegava, muito calmo, um senhor vestido de preto, acompanhado por uma senhora e vá de fazer aparecer e desaparecer tudo num ápice! Da sua cartola saíam flores que, uma a uma, compunham aquilo a que o mágico (muitas vezes o grande Conde de Aguillar) chamava o Jardim de Alá. Para mim, a apoteose era mesmo o número dos lenços coloridos. Que maravilha! Deveria ser muito rico aquele senhor que tinha tantos lencinhos de cetim que esvoaçavam na pista. Uma noite aconteceu que um voou até pertinho de mim, mas estava lá um arrumador que, zelosamente, o levou para dentro. Outra coisa que eu não compreendia era que, havendo música, ninguém cantava... Pensamentos de menina, que sabia letras de canções francesas da Piaff, do Charles Trenet,do Aznavour, para já não falar da música brasileira e dos tangos argentinos... Foram precisos alguns anitos para, já com uma filha a meu lado, ter o prazer de ouvir cantar no circo a então muito conhecida canção dos Platters Only You . Nessa altura, a feira já não era em Março, eu já não acreditava nos mágicos... já tinha medo dos carrinhos de choque e o carrossel deixava-me com a cabeça à roda. De uma coisa nunca deixei de gostar: das peças de feitas de barro bem ao gosto popular (com exceção dos galos de Barcelos). Março perdeu o encanto da feira. Resta-lhe ser o mês do Dia da Mulher e do Dia do Pai... Basta-lhe ser o mês da Primavera e o mês da VIDA. Depois da Feira, toca a pensar no Verão, o que significava céu azul, mar, areias douradas e os amigos da Praia. Pois é! Havia os amigos do Inverno, da escola, do liceu, das idas ao cinema no domingo à tarde e havia os amigos do Verão, que nos escreviam aí uma vez por mês e que nos esperavam na praia dos meus encantos... Quando eu vou prá Nazaré...meu coração se enobrece por ver que esta terra é aquela onde tudo esquece Setembro transformava-se num mês mágico, num tempo de liberdade... A praia dos meus encantos era uma praia pequenina com rochas, com muita gente no verão e com vida própria e diferente no inverno. A praia dos meus encantos tinha mar calmo e mar alteroso... Tinha tradições bem fortes ligadas à pesca e tinha muitos barcos e pescadores. Tinha mulheres que haviam sofrido a perda dos maridos, dos filhos ou dos irmãos... A praia dos meus encantos transformava-me em Setembro numa borboleta colorida que esvoaçava o dia todo: de casa para a beira mar, da beira mar para casa, de casa para as rochas, das rochas para o banho de mar, do banho de mar para o banho de sol... De casa para o Monte Branco. Do Monte Branco para casa ...De casa para a Foz e da Foz para a Praia do Norte... De casa para aqui ... de casa para ali...Dali para acolá... raia dos meus encantos...
A praia dos meus encantos ficou para sempre ligada a Setembro- o mês da minha Vida.